A Apple, companhia norte-americana de tecnologia, não é uma companhia aberta brasileira e, portanto, não tem suas ações negociadas diretamente na bolsa brasileira. Elas são negociadas na bolsa americana.
O investidor interessado em negociar ações da Apple poderia remeter recursos para o exterior e negociar essas ações diretamente nos Estados Unidos. Precisaria, no entanto, avaliar os custos e benefícios dessa alternativa, e considerar as obrigações legais e tributárias decorrentes.
Como alternativa, esse investidor poderia investir indiretamente nas ações da Apple, negociando aqui na bolsa brasileira, em reais, os BDRs lastreados nas ações dessa companhia.
E a Apple é apenas um exemplo. Atualmente é possível negociar na B3 BDRs lastreados em ações de companhias internacionalmente conhecidas, como 3M, AB Inbev, Alibaba, Alphabet (dona do Google), Amazon, Apple, GE, GM, Microsoft, apenas para citar algumas. E é possível também haver BDRs lastreados em outros valores mobiliários, não apenas ações.
Os BDRs podem ser vistos, portanto, como uma alternativa de investimento disponível no mercado de capitais brasileiro que permite a diversificação e a exposição de parte da carteira de investimentos ao mercado externo, sem que para isso seja necessário investir diretamente em outros mercados e incorrer nos trâmites e custos daí decorrentes.
Mas, antes de investir, o investidor precisa entender adequadamente o que são os BDRs, seu funcionamento e riscos, para que a tomada de decisão seja planejada, consciente e alinhada aos objetivos e perfil de risco. Nos tópicos abaixo serão abordados os principais conceitos relacionados a essa alternativa de investimentos.
Para uma abordagem mais detalhada, o investidor interessado pode ler o Caderno CVM nº 14, disponível para download gratuito neste Portal do Investidor.
Para mais informações, assista ao vídeo do canal CVMEducacional
Os certificados de depósito de valores mobiliários, conhecidos no mercado como BDRs, Brazilian Depositary Receipts, são valores mobiliários emitidos e negociados no Brasil que representam outro valor mobiliário negociado no exterior. São, portanto, uma forma de investimento indireto nos ativos financeiros por eles representados.
Os BDRs podem ser lastreados em: ações negociadas no exterior emitidas por emissores estrangeiros; títulos representativos de dívida negociados no exterior e emitidos por emissores estrangeiros ou por companhias abertas brasileiras com registro na CVM; ou, ainda, cotas de fundos de índice (ETFs) negociados no exterior.
A emissão de BDRs no mercado brasileiro é realizada por uma instituição depositária no Brasil, que é responsável por garantir o lastro dos BDRs nos valores mobiliários negociados no exterior e a correspondência do saldo existente entre eles.
Para isso, a instituição depositária no Brasil mantém os ativos financeiros que servem de lastro ao BDR em uma conta em seu nome em instituição custodiante no exterior, onde permanecem bloqueados enquanto durar o Programa de BDR no Brasil.
A Instituição Depositária, então, cria no Brasil o Programa de BDR e o registra na CVM para negociação em mercados regulamentados, se comprometendo a cumprir as exigências específicas do tipo de programa e a divulgar as informações exigidas em cada caso. Com isso, os BDRs passam a ser negociados em bolsa de valores no Brasil.
Atualmente, esses negócios são realizados nos sistemas administrados pela B3, entidade administradora de mercados de bolsa e balcão no Brasil.
A classificação dos BDRs
A emissão dos BDRs é classificada conforme as suas características, podendo ser patrocinados ou não pelo emissor dos valores mobiliários objeto do certificado de depósito, e diferem ainda conforme as características de divulgação de informações, distribuição e negociação. São os chamados programas de BDRs.
BDR Patrocinado
O programa de BDR patrocinado é instituído por uma única instituição depositária no Brasil, contratada pela própria companhia emissora, ou assemelhada, dos valores mobiliários objeto do certificado.
Assim, um programa de BDR patrocinado lastreado em ações, por exemplo, tem a participação direta da companhia aberta estrangeira emissora das ações.
Os BDRs patrocinados são classificados em três níveis: Nível I, Nível II e Nível III, que diferem conforme as características de mercado de negociação, exigência de registro do emissor junto à CVM, a divulgação de informações, o rito de oferta pública, e o tipo de investidor que pode adquiri-los, conforme a tabela abaixo:
Nível I | Nível II | Nível III | |
Registro de emissor estrangeiro na CVM | Não, exceto BDR lastreado em títulos de dívida de companhias abertas brasileiras | Sim | Sim |
Oferta Pública | Pode haver, com esforços restritos | Pode haver, com esforços restritos | Sim, simultaneamente à oferta pública no exterior dos valores mobiliários lastro do programa |
Negociação | Balcão não organizado ou segmento específico de bolsa ou balcãoorganizado | Bolsa ou balcão organizado | Bolsa ou balcão organizado |
Informações do emissor | Informações que o emissor está obrigado em seu país de origem ou no país em que os valores mobiliários são admitidos à negociação | Conforme as regras da CVM | Conforme as regras da CVM |
Investidor | Investidores qualificados; empregados do patrocinador; e investidores em geral, se atendidas as condições estabelecidas na regulamentação | Sem restrições | Sem restrições |
BDR Não Patrocinado
O programa de BDR não patrocinado é considerado de nível I, com a diferença de não ser patrocinado pelo emissor estrangeiro dos valores mobiliários que servem de lastro ao programa.
Trata-se da modalidade mais comum no mercado. Caracteriza-se por ser instituído por uma ou mais instituições depositárias emissoras de certificado, sem um acordo com o emissor dos valores mobiliários objeto do certificado de depósito, somente admitindo negociação nos moldes do BDR Patrocinado Nível I.
Quanto às informações dos emissores dos valores mobiliários que servem de lastro ao programa não patrocinado, a instituição depositária emissora do BDR deve divulgar no Brasil, até a abertura do pregão do dia seguinte ao da sua divulgação no país de origem ou no país em que os valores mobiliários são admitidos à negociação:
- fatos relevantes e comunicações ao mercado;
- aviso de disponibilização das demonstrações financeiras no país de origem;
- editais de convocação de assembleias dos titulares dos valores mobiliários que lastreiam o BDR;
- avisos aos titulares dos valores mobiliários que lastreiam o BDR;
- deliberações das assembleias e das reuniões do conselho de administração, ou de órgãos societários com funções equivalentes, de acordo com a legislação vigente no país de origem de titulares dos valores mobiliários que lastreiam o BDR; e
- demonstrações financeiras da companhia, sem necessidade de conversão em reais ou de conciliação com as normas contábeis em vigor no Brasil.
O investidor deve estar ciente de que as informações divulgadas no Brasil pela instituição depositária dos emissores que servem de lastro aos programas de BDR nível I podem ser divulgadas na língua e de acordo com os padrões e regras exigidos no país de origem do emissor, o que pode divergir substancialmente das regras, exigências e padrões do mercado brasileiro.
Os BDRs lastreados em cotas de fundos de índices possuem regras específicas. Sugerimos a leitura do capítulo 4 do Caderno CVM nº 14, para informações adicionais.
Negociação
A compra e venda de BDRs no mercado brasileiro ocorre da mesma forma que a negociação de ações e outros valores mobiliários negociados em bolsa.
O primeiro passo que o investidor precisa dar é escolher e se cadastrar em intermediário habilitado, como uma corretora ou distribuidora de títulos e valores mobiliários. Para enviar as suas ordens de compra ou de venda de BDRs, e outros valores mobiliários, ao intermediário, os investidores podem utilizar o home broker ou a mesa de operações.
Liquidação e custódia
A liquidação dos negócios realizados com BDRs ocorre em um prazo de dois dias úteis após o dia da negociação, conhecido no mercado como D+2. Ou seja, para o comprador, o ativo estará disponível em sua conta de custódia, e para o vendedor, o dinheiro estará disponível em sua conta no intermediário, dois dias úteis após o fechamento do negócio.
Os BDRs são emitidos na forma escritural, mantidos apenas em contas de depósito, em nome de seus titulares, sem emissão de certificado, em uma instituição devidamente autorizada a prestar esse tipo de serviço.
Quanto à custódia, os BDRs são objeto de depósito na Central Depositária da B3, como ocorre com outros ativos negociados em bolsa de valores. Nesse modelo, é a Central Depositária da B3 que mantém o registro com o controle individualizado dos investidores finais dos BDRs.
Custos e taxas
Outro aspecto fundamental a que os investidores devem estar atentos ao investir em BDRs são os custos. A cada negócio realizado, os principais custos que podem incidir sobre a operação são a taxa de corretagem, a taxa de custódia, os emolumentos e a taxa de liquidação. Cabe ao investidor, como em qualquer outra negociação, pesquisar, comparar e avaliar a melhor relação custo-benefício em cada caso.
Os programas de BDRs podem envolver encargos específicos, que geralmente incluem taxas e custos para: emissão e cancelamento do BDR; pagamento de dividendos, resultados e outras distribuições em dinheiro; e eventos corporativos, como aumento de capital, bonificação ou desdobramento; entre outros. Os investidores podem se certificar dos encargos eventualmente cobrados nos programas de BDRs no descritivo operacional do programa.
O titular de um BDR não é titular direto do valor mobiliário objeto do programa. Assim, por exemplo, um titular de um BDR lastreado em ações não se torna acionista do emissor estrangeiro, da mesma forma que um titular de um BDR lastreado em cotas de fundo de índice não se torna cotista do fundo.
Quem detém a titularidade dos ativos que servem de lastro ao BDR é a instituição depositária no Brasil. Portanto, em regra, é a instituição depositária quem poderá exercer os direitos relacionados aos ativos, como o direito de voto ou o recebimento de dividendos e resultados, quando houver. Mas o exercício desses direitos deve ocorrer de acordo com o estabelecido na regulamentação e conforme as condições definidas nos programas de emissão dos BDRs.
Voto
O direito a voto dos valores mobiliários que sirvam de lastro para programa de BDR, quando exercido pela instituição depositária, deve ocorrer na forma instruída pelos titulares de BDR, sempre que os contratos relativos ao programa permitam, ou no melhor interesse dos titulares de BDR, quando tais contratos impeçam o voto por eles instruído. Cabe destacar que a instituição depositária pode optar por não exercer o direito de voto nas assembleias, mas pode prever a possibilidade de instruir voto solicitado por investidores em situações específicas.
Dividendos e outros proventos em dinheiro
Na hipótese de haver dividendos e outros proventos em dinheiro, é a instituição depositária que receberá os valores, na qualidade de titular dos ativos no exterior, e os repassará à Central Depositária da B3, como titular fiduciária dos BDRs, que se encarregará então de distribuí-los aos investidores, na proporção dos BDRs que possuam, da mesma forma como acontece com o investimento em outros valores mobiliários no Brasil.
Outros eventos corporativos
Se o emissor dos valores mobiliários no exterior distribuir novas ações a título de bonificação ou desdobramento, a Instituição Depositária no Brasil emitirá novos BDRs correspondentes a esse novo lastro depositado na Instituição Custodiante no exterior, e os creditará à B3, que então repassará aos investidores constantes em seus registros de controle de titularidade.
A distribuição de dividendos e o exercício de outros direitos no âmbito de programas de BDR podem estar sujeitos a encargos específicos cobrados pela instituição depositária do programa.
O investimento em BDRs, como em qualquer outro ativo financeiro, está sujeito a riscos que precisam ser considerados pelos investidores para que a sua decisão de investimento seja mais consciente. Sem a pretensão de esgotar o assunto, abaixo são relacionados os principais riscos a que esse investimento pode estar exposto.
Riscos relacionados aos valores mobiliários lastro do BDR
Os BDRs representam valores mobiliários negociados em outro país. Mas, em seu mercado de negociação, esses valores mobiliários, como qualquer investimento, apresentam riscos. Seja uma ação, um título representativo de dívida ou uma cota de um fundo de índice, cada ativo financeiro que serve de lastro ao BDR está sujeito aos riscos inerentes a sua classe, entre os quais se destacam o risco de mercado e o risco de crédito.
O risco de mercado está relacionado às condições econômicas, como crescimento econômico, emprego e renda, taxas de juros, além de questões setoriais relacionados ao negócio do emissor ou ao segmento em que investe. A mudança de expectativas em relação a essas condições pode impactar negativamente os preços de negociação desses ativos e, consequentemente, os preços de negociação dos BDRs no Brasil.
O risco de crédito se refere à capacidade de o emissor de um valor mobiliário representativo de dívida cumprir com as condições pactuadas para o pagamento de juros e amortização do principal. A possibilidade de não cumprimento dessas obrigações pode impactar diretamente a rentabilidade esperada desses ativos e, portanto, dos BDRs neles lastreados.
Risco de liquidez
O conceito de liquidez em finanças está relacionado à facilidade com que um ativo pode ser negociado ou resgatado a um valor considerado justo.
Os BDRs são negociados em bolsa. Nesse mercado, não há garantia de que o investidor que desejar vender seu investimento encontrará interessados em comprar, o que pode impactar o seu preço de negociação.
Risco cambial
Os BDRs são negociados no Brasil em reais. No entanto, esses BDRs representam um valor mobiliário negociado em outro mercado, na moeda local. Portanto, além das variações naturais de preço do ativo relacionadas ao negócio que representam, os BDRs também estão expostos à variação cambial.
Cabe destacar, no entanto, que, embora essa exposição cambial seja de fato um risco, considerando a volatilidade do mercado de câmbio, o investimento em BDR pode ser visto como uma forma de exposição à moeda estrangeira, o que pode atender a alguns objetivos, como por exemplo, proteção contra uma eventual depreciação do real. Mas é sempre importante lembrar que os demais riscos permanecem presentes.
Risco legal e informacional
Os emissores, no exterior, de valores mobiliários que servem de lastro a programas de BDR nível I, patrocinados ou não, são empresas e fundos estrangeiros (a exceção, já citada acima, são os casos de emissores brasileiros de títulos representativos de dívida que venham a ser lastro de programa de BDR).
Consequentemente, estão submetidos à legislação específica de seu país de origem, e não à brasileira, inclusive quanto aos aspectos societários e de direitos dos investidores minoritários. Isso se aplica inclusive quanto ao tipo e aos padrões contábeis das informações financeiras, que podem ser bastante diversos dos vigentes no Brasil, além de poderem ser apresentados na língua do país em que são negociados.
Como exemplo, algumas companhias abertas americanas cujas ações são objeto de lastro de programas de BDR não patrocinados divulgam suas informações contábeis no padrão US GAAP, que diferem do padrão internacional, IFRS, exigido das companhias abertas brasileiras.
Ausência de uma ampla base de análise local
Alguns investidores baseiam as suas decisões de investimentos em análises especializadas realizadas pelos analistas de valores mobiliários. Esses profissionais elaboram relatórios de análise, que envolvem um aprofundamento técnico, com recomendações sobre valores mobiliários específicos ou sobre emissores determinados, para auxiliar os investidores no processo de tomada de decisão de investimento.
Embora muitos ativos brasileiros sejam acompanhados por analistas, essa cobertura pode não ocorrer para os ativos ou emissores estrangeiros cujos valores mobiliários sejam lastro dos programas de BDRs. Essa possível ausência de uma base de análise local pode representar um risco ao investidor, que precisaria buscar em outros mercados a análise necessária para apoiar a sua decisão, em geral disponível apenas em outra língua e sujeita a regras distintas das aqui aplicáveis aos analistas de valores mobiliários.
Além disso, é importante o investidor compreender que, ainda que determinado ativo financeiro ou emissor estrangeiro seja coberto por uma analista, o foco de atuação desses profissionais é a empresa ou o ativo financeiro específico que se está analisando, e não o cliente. Então, embora os investidores possam se apoiar nas recomendações fornecidas, eles devem antes se perguntar se aquele ativo em si é adequado ao seu perfil e objetivo de investimento.
Risco de descontinuidade do programa
A instituição depositária no Brasil, emissora dos BDRs, pode optar por descontinuar o programa. Para isso, precisará atender à regulamentação e aos procedimentos estabelecidos pela entidade administradora de mercado em que o BDR é negociado, notificando a decisão com antecedência.
Os investidores devem observar as regras da entidade administradora de mercado em que o BDR é negociado, além das condições estabelecidas no programa, e estar cientes de cada uma dessas possibilidades e do risco que podem representar aos seus investimentos.